30 de jun. de 2010

#1968 - Veículo de transição

Duas sombras adentraram como vilões a janela do quarto. Esbarraram em tudo. Um abajur foi ao chão sem se preocupar com ruídos. Barulho diferente para cada passo dado. Barulho para cada esbarrão, para cada objeto que ficava pelo caminho. Demarcando com migalhas o futuro local do crime. Percorrendo todos os cômodos procurando por alguém que ainda respirasse! Alguém que ainda criticasse, alguém pronto para falar mal da escolha Militar. Bate essa mão no peito e canta o hino sem errar. Ame sua bandeira! Apaga tudo de errado que acontece e abstrai! Joga de canto e faz tudo. Nasceu burro e vai morrer pior ainda.

Foram pelo corredor até o fim. Passaram por duas portas que estavam abertas. Foram direto e não encontraram ninguém. Os meninos saíram para comprar algo para jantar e as meninas se espalharam por outros cantos. Em punhos armas cromadas. Uma águia brilhante e treze tiros prontos. Cuspidos tirariam a vida de qualquer um.

Ídolo! Presidente da República! Qualquer porra!

Qualquer um cairia no chão e só acordaria, caso ainda tivesse chance de acordar! Seja lá onde for. Se não, cairia dolorido demais para falar mais alguma palavra e com mais um tiro morreria.

No final do corredor uma porta semi-aberta! Uma luz e movimentos! Um idiota! Com tanto barulho eu já teria mudado de canal. Passava a página! Mas não!

- Comunista de Merda! Comunista de Merda!

- Mato agora? Deixo pra depois?!

Depois da segunda interrogação o menino já andava como um caranguejo pelo chão. Caído, indo de um lado para o outro. Ridículo! Com medo! Respirando como um cão...
...

Um disparo!
...

- Não gasta bala assim, seu idiota!

- Atiro no teto quantas vezes quiser... Pega esse maricas aí!

Na hora que o primeiro disparo foi parar no teto duas coisas aconteceram!

1 - O maricas acabara de marcar suas roupas íntimas!

2 – Ele pensou... “Estou vivo?”

...

Sim, sobreviveu!

Idiota!

- Essa eu não vou errar!

Com muita violência no seu olhar o nobre rapaz mirou com precisão seu alvo dessa vez e esse não era o teto! Sairia sangue dessa vez, mas nem pensou muito na sujeira que faria.

Puff!

...

- Eric, você está sonhando mais uma vez? Não consegue dormir e ficar quietinho nunca?! Meu Deus do Céu Cara!

Eric levanta suando frio! Bufando! Cansado! Mas era, realmente, somente, mais um sonho.

- São esses malditos remédios que estou tomando para essa maldita gripe! Você sabe disso!

- Tudo bem! Descanse então! Se cobre direito!

Não se cuidou e ficou doente! Vacilou! Tomou friagem, esqueceu o casaco e deixou vento gelado bater no peito. Não cobriu as orelhas antes de dormir. Mês de julho começando. Mês de frio. Festas Juninas só ano que vem. Quentão só ano que vem. Junho foi-se e só deixou o nariz escorrendo para quem se resfriou. Toma um chá quente e coloca um agasalho. Fica de molho por um dia. Antiinflamatórios. Antibióticos. Anti-bactericidas? Não sei! Mas caso necessário, durma de meia!

Fazia frio!

Estavam alguns dias fora de casa já. No Rio de Janeiro e em um clima estranho, mas já haviam articulado uma forma prática de voltar para perto de casa antes que estourasse uma bomba. Era perigoso, mas era necessário.

Depois do tumulto causado dia vinte seis, seus rostos já não brilhavam como antes. Pareciam reluzir entre outros jovens. Parecia funcionário andando de crachá pela rua. A Dona de Casa. O Chefe de Família. O Filho. A Filha. Safada. O Cansado. O Vagabundo e o Menino que Queria Mudar o Mundo.

Mudar o mundo!

Colocar o planeta para girar ao contrário!

Faz a noite e dorme de manhã. Faz de manhã e dorme depois do almoço, sem ninguém para reclamar da sua preguiça!

- Vamos! Já estamos atrasados!

- Foi você se maquiando! Foi você que atrasou todo processo! Eu esperei mais de meia hora! Lerda!

Se resumir em pensamentos que a zona Central de uma cidade deve ser a mais fácil de chegar, por estar Centralizada. Ligada a Zona Norte. Oeste. Leste e Sul! Qualquer zona chega ao Dentro! Todo centro liga para toda zona. Menos para a verdadeira Zona!

Bagunçada!

- Onde fica mesmo a rodoviária Margot?

- Região portuária! Centro do Rio de Janeiro, por quê?!

- Estamos longe ainda?

- Vamos descer aqui motorista!

...

E o taxi parou!

...

Antes de colocar o pé direito para fora do automóvel, Margot já percebera que dois homens fardados vinham pelo lado esquerdo, fazendo a esquina. Abaixou teu chapéu, vestiu uns óculos escuros e saiu do carro. Parecia Gringa. De vestido! Eric conduziu cada movimento no mesmo compasso que sua amiga. Seguiram invisíveis até adentrar a rodoviária.

Pareciam em um campo de guerra! Cercados de mongóis e mouros! Espalhados por todos os cantos. Rifles e escotilhas. Tochas e cavalos brancos. Sem armaduras os mais fortes e entocados os mais frágeis. Alguns de bigode. Barbas serradas.

Cinco metros se tornaram quarenta quilômetros!

Quando estamos em minoria, a maioria sempre dá as caras...

- Estão com seus documentos?!

Pior do que pedir para mãe assinar Prova de Matemática quando a nota está vermelha! Até mesmo pior do que o sentimento que tem o garoto, quando seus amigos contam para sala inteira qual a menina que ele está apaixonado! Nessa hora o rosto fica vermelho! Nessa hora o coração bate muito mais forte!

- Não senhor! Não estamos com os nossos documentos!

- Como não?!

Mentira! Sempre a primeira e mais burra forma de resolver uma situação quando se está com muito medo. Aplicar a verdade é simples, mas em determinados momentos, vale a pena arriscar. É tudo ou nada! Se joga de cara e vê no que dá! Pode dar vacilo, pode dar solução. Só depois da retórica que se conclui.

- Eu quero os documentos dos dois! AGORA!

Pior do que mentir é só afirmar ingenuamente que estava mentindo. É acumular pontos no jogo onde o bacana seria perder, mas...

- Está aqui...

Sempre saio muito mal em fotos 3x4. Minha cabeça parece maior. Minha orelha sempre parece torta e não gosto muito da luz branca me transformando em um fantasma. Mas só tem uma coisa pior nisso tudo.

- Margot... Eric...

...

Silêncio

...

- Margot... Eric...

Enquanto o mundo parecia parado ali, ônibus distribuíam corpos em movimento para diversas regiões do país. Pessoas vindo de São Paulo, pessoas voltando para Curitiba. Juiz de Fora. Região dos Lagos. Cabo Frio. Saquarema. Araruama e Rio das Ostras. Pessoas com frio! Pessoas que foram estudar e outras que só foram surfar. Cansados. Apreensivos. Presos nos horários de suas viagens

Impossível andar na rua e nunca encontrar pelo menos um rosto que já fora batido em outro retrato.

- Margot... Eric...

Na terceira repetição Eric já imaginava como seria andar igual caranguejo, como em seu sonho. Margot! Centrada! Calada! Ajustada nos movimentos que emitiam os lábios do fiscal! Talvez tenha sido realmente burrice partir ali, logo ali. Dessa forma, sem estudar, sem racionalizar o que poderia vir. O que aconteceria. O que poderia acontecer.

- Venham comigo...

Margot foi a primeira a sair correndo! Eric sem pensar foi na mesma direção! Fugiram!

- Guardas! Comunistas fugindo!

Pegou a bola antes do meio de campo e começou driblando! Um, passou outro. Deslizou a bola por debaixo das pernas do primeiro zagueiro. Limpou e cortou para o meio da grande área. Ajeitou com o pé esquerdo. Ainda tinha mais um zagueiro. Pronto para quebrar suas duas pernas de uma só vez. Não vai conseguir jogar os próximos jogos! Vai ficar no banco. Era só atacante e zagueiro, um contra um e depois... Caixa!

Uma porta e a Rodoviária passaria a se chamar Calçada.
Mas sabe quando tudo parecia azar segundos antes e com uma jogada tudo muda?!

Os dois conseguiram ultrapassar o limite da porta, adentraram a nova região. Mas quatro guardas já estavam dispostos a dominar a situação e por fim nessa perseguição cinematográfica.

Um Fusca parou

...

- Corre aqui para dentro do carro!

- Fernando?

...

Um sorriso vindo da menina e um respiro mais calmo do menino.

Acelerou e foi. Os quatro ficaram para trás. Reconheceram a rapaziada e quiseram levar para salas escuras. Saber do que já sabiam, mas gostavam de bater para saber de novo e até mesmo saber um pouco mais, só para ter mais certeza do que já, realmente, sabiam.

Foram até a Tijuca.

- Acho que vocês me farão companhia por um tempo

Cansados, descansaram...


Para acordar com idéias novas, é sempre muito bom colocar as usadas, antigas, de molho por no mínimo oito horas. No período noturno o nosso agente trabalha com mais eficácia, renovando os frutos criativos e preparando para novidades o dia que vier no decorrer da sequência.

Por isso, sempre é bom descansar



Continua.





Leonardo Fonseca

21 de jun. de 2010

#1968 - Primeiro ato

- Eric! Você acredita que o mundo vai acabar no ano Dois mil? Vi meu pai conversando com um amigo dele sobre isso. Aí fiquei curiosa. Li sobre alguns videntes, esses caras que veem o futuro. E até falam que está tudo nas estrelas! O alinhamento...

- Vou ter cinqüenta anos! Um senhorzinho?! Ou estarei no auge da vida?! Brindando? Saudando?! Injusto! Muito injusto mesmo!

- Nas estrelas bicho! Nas estrelas! O futuro está no céu e a gente fica tentando sobreviver nesse mundo?! A ordem está invertida, só pode ser!

- Não serei avô?! É isso?!

- É meu amigo, não!

- Margot?!

- Oi?!

- Você está doidona?!

- Estou!

Acende um incenso para espalhar essa fumaça. Viaja o necessário, sai do mundo e volta quando realmente as pessoas respeitarem as nossas diferenças. Desse para cá só quando estiver mais calmo. Relaxa um pouco! Tenta abstrair as dores e aflições. Ninguém é igual a ninguém! Somos todos diferentes, mas não aprendemos a nos organizar mesmo depois de várias gerações. O poder sempre define como deve ser tua rotina, como deve ser a sua forma de pensar e a comida que alimentará as bocas do seu apartamento. Lugar nobre da cidade. Jardins. Augusta. Alameda Tietê. Vila Madalena. Trabalhou para isso, não foi?! Aprendeu a falar língua estrangeira para garantir um salário maior, mas nunca conseguirá ver o Mickey Mouse de perto! Meus Pêsames! Hollywood bem bacana na entrega do Oscar, e só! Parabéns para sua vida média! Tudo isso é causa do problema causado pela sua preguiça de pensar. Da incapacidade de parar e pensar. É só pensar. Analisa que algo errado está acontecendo. Algo que vai além da sua crítica superficial sobre a roupa da sua vizinha. Algo que está acima da sua rotina básica.

Mil Novecentos e Sessenta e Oito! Farão Cinquenta anos quando Dois Mil chegar. Mesmo Se o mundo acabar! Se ficar, Se for, Como for! E mesmo se não For. O presente momento é incomodo. Apertado! Como sapatos de couro que demoram a encaixar direito no pé. Marca o calcanhar. Machuca os dedos. Essa roupa que me vestem é apertada demais. Não consigo ir além da velocidade que posso. Estou realmente barrado nessa situação.

Mas!

Vivemos em um mundo onde falar é proibido! Vivemos em um mundo onde cantar também é proibido! Não pode desenhar! Escrever cartas! Pensar alto! Pensar diferente! Mas não somos diferentes?! Sei! Sei Bem! Não se muda o mundo em um ato só! Não com uma só revolução. Mas sim! Explosão de acontecimentos contínuos!

Cooperação mutua!

Nesse mundo é tão difícil!

...

- Eric! Tenho um assunto delicado para conversar com você!

- Ah! Já está apaixonada por mim?! Não pode passar duas semanas comigo que já está caidinha de amor por mim, não é?! Eu sou fogo!

- Você é um ridículo de merda! Mas não posso sair daqui agora! Se pudesse! Se não dependesse da sua vida, já tinha chispado daqui! Muito tempo atrás, meu amigo! Mas não posso abandonar a criancinha, né?! A “menina” não sabe se virar!

- Tudo bem! Eu não brinco mais, ok?!

- Eu tenho que falar! Você vai me ouvir?! Não podemos ficar aqui parados, presos dentro desse apartamento. Seu irmão se foi e não foi em vão! Perdemos, mas não podemos desistir! Eles precisam nos ouvir! A gente não pode ver o mundo girar e não atuar!

- Não levaríamos um tiro no primeiro grito?! Não seriamos punidos na primeira tentativa?! Arrancariam minha vida aos poucos. Com golpes violentos na boca do estomago. Socos na nuca. Chutes pelo corpo inteiro! Seriamos pegos! Não!

Comando de Caça aos Comunistas! Não fazer parte da festa é um crime muito pesado! Levam-te tudo! Levam-te a vida! É por pura sacanagem! Ninguém sabe de fé o que está fazendo aqui, mas gostam tanto de brincar de ser desorganizado! Não tem consenso e não entendo a razão disso acontecer por tanto tempo! Mas está muito acima da minha ossada esse artigo.

- Vamos para o Rio de Janeiro! Tem mais gente querendo brigar! Tenho lugar para ficar e até armas se precisar. Que tal uma Bossa Nova por uns meses?

- Nem te conheço! Como que vou para um lugar que nunca fui com uma pessoa que não conheço?! Tem duas semanas que estamos foragidos. Já disse! Foi à única opção, mas não sei o que estou fazendo aqui! Meu irmão, cara! Ele sim, mas Eu não!

Quando estudarem Mil Novecentos e Sessenta e Oito, os professores anularão alguns detalhes! Meses muito pesados para se explicar para uma criança! Melhor não! Fala que foi um Português barrigudo que descobriu esse país! Diz para elas todas que ensinaram os índios a falar a língua deles e que de quebra nós aprendemos também. Mal falado! Mas quem está certo aqui?! Depois dos índios, criaram uma sociedade corrupta! Feita de pessoas que gostam de disputar o invisível, porque nem vivendo Vinte vidas serei capaz de saber realmente qual a melhor forma de se viver essa vida. Onde cabe tanto dinheiro? Tantas casas para um corpo só?! Tanta comida só para essa sua barriga peluda? Para que?! Levam um amigo meu e não me deixam falar...

- Grito sozinha! Pode ficar aí! Faço a sua parte lá se for preciso! Até mais ver...

- Tenho medo sabia?! Já te contei isso?!

- Sempre teremos medo nessa vida! Até quando a gente liga o chuveiro à gente sente medo. Se por acaso cair uma gota de água fria o corpo já fica espantado e se encolhe. Sem motivo! Sente medo de cair e presta atenção em tudo! Tem medo de dizer o que acha! Tem medo de cantar desafinado! Tem medo de estar acima do peso e não parecer elegante! Todo mundo tem medo cara!

- Fecho os olhos e lembro-me dos dois estalos! BOOM! BOOM! E mais nenhum sinal de respiração! Eu só tenho dezoito anos... Não quero conhecer o inferno antes do ano Dois mil.

- Te trago com vida! Não se preocupe! Confia em mim?!

Margot tinha amigos loucos, de calças de flanela, largas, barbudos. Foram de carona para o Rio de Janeiro. O Frio de lá é menos Frio do que o Frio de São Paulo e não precisaram encapotar seus corpos brancos. Mais de Cem mil se encontrariam no dia Vinte e seis desse mesmo mês. O baile só fica legal depois que começa a encher. Quando o ponche está no seu lugar. Vermelho! Bandeiras! Meninos e meninas. Revoltados e sorridentes! Vamos gritar em paz para ter a paz que precisamos!

Houve tumulto, houve bagunça e pessoas correndo! Fugiram e foram descansar. O mundo gira loucamente quando se tem dezoito! Percebe-se diferente. Percebe-se pela primeira vez. Menino longe de casa, sem saber, sem conhecer. Conhecendo ali! Vivendo! Cheio de medo, mas qualquer um ali se cagaria...

...

Enquanto gritava, sentiu raiva!

Quem é o esperto que consegue respirar com calma agora?!

Levaram e não me deixaram dar adeus!

Festejam suas falsas amizades, brindando nossa ignorância!

Sentiu o sangue subir!

...

Fim do Regime. Fim da Censura. Fim das mortes sem razão. Fim do Fascismo fora de época. A moda italiana já se foi, mas onde uma vez foi atrasado, sempre será atrasado. Demora, mas acontece, o problema é começar!

- Margot?!

- Pois não!

- Muito obrigada companheira!


Junho de 68






... sedentarismo cerebral é a pior doença do mundo moderno!
Parta do principio e continue.

Só!



Leonardo Fonseca

20 de jun. de 2010

#1968 - Primeiro, meu mês de junho

- É festa de rock seu imbecil! Tira essa camisa! Tira essa camisa! As meninas vão te achar um idiota se for vestido assim! Já não tem facilidade nenhuma, se dificultar com sua feiúra! Vai morrer virgem!

- Primeiro que não é uma festa! Imbecil! Segundo! Anota! Segundo! Sou mais velho aqui e você precisa aprender a me respeitar desde já! Pirralho!

No mês de junho costuma-se fazer bastante frio pelas manhãs. Aconselha-se que todos protejam seus lábios, pois podem rachar. Vista tocas que aqueçam suas idéias e escondam suas orelhas do tempo. Com o tempo acostuma-se com a temperatura local, mas não confunda sua mente. Está frio e no frio é melhor proteger-se. As pessoas ficam ruins, escondidas atrás dos seus muros de lã. Não sabe o que pensa a pessoa que senta em sua frente. Estar sempre preparado para um tiro não é a melhor forma de se viver, mas como ensina os escoteiros, é necessário estar sempre alerta.

Em tempos de crise tudo é problema e qualquer conseqüência só piora a situação. Um olhar torto para um policial pode gerar um tapa na cara. Uma palavra mal dita, um maldito que dispara sem perguntar o nome de sua vitima. Sai correndo e esconde seu rosto no frio.

Escondam-se jovens!

Eric acabara de completar dezoito anos e tentara ainda entender a diferença do mundo antes da maior idade com sua infância que se fazia presente de todas as formas. Tudo era muito doce ainda, até mesmo sua violência, sua rebeldia ainda cheirava a leite. Inocente! Brigava por obrigação, assim o foi ensinado desde sempre. Cresceu com raiva, mas ainda não sentiu na pele a verdadeira razão. Aprendeu em casa com seu irmão mais velho. Pedro era alto e falava bem em público. Sempre tirava boas notas na faculdade. Líder nato! Sua segurança o levava a ter admiradores. Era firme e decisivo. Não tinha medo.

Pedro viu seu pai sumir quando estava entrando no curso superior. Seu pai era professor e a sua Sociologia o fez sumir. Sumiu! Sua mãe mentiu por anos, dizendo que fora viajar e que logo voltaria, mas o logo nunca existiu. Pedro quando descobriu a sobriedade dos fatos, ficou com raiva. Vestiu o verde amarelo antes da Copa de Setenta e decidiu que não ficaria assim!

Juntou amigos e armou-se...

- Ei! Pedro não parece um idiota com aquela camisa?!

- Eric! Em silêncio! Por favor!

Eric obedeceu! Ele sempre obedece na hora certa!

- Amigos! Mais três essa semana e não foi sem querer mais uma vez. Estão falando que tiraram férias, mas ainda não é verão para ir para praia. Ainda morro de medo do que está por vir. Morro de medo por falar, por existir! Amanhã, por achar, pode ser eu que venha a sumir e não trarei palavras para acalmar ou acabar com essa situação. De uma vez por todas! De todas às vezes! No país que vivo e amo! No país verde a amarelo o vermelho está prevalecendo!

Pedro é nome de santo. Apostolo! Mas acho que não era romano, mas os católicos gostam da ligação com a Itália que faz essa religião. E de lá que veio a moda Fascista naquela época que um homem de bigode, ridículo, erguia suas bandeiras vermelhas com uma suástica tosca no centro. E como no Brasil tudo acontece depois, a moda só veio por agora e está se intensificando nesse ano de mil novecentos e sessenta e oito.

Adolescentes e pré-adultos sumiam por ter opiniões demais. Professores sumiam por ensinar demais. Políticos tiraram férias e artistas precisaram calar suas canções por um tempo. Sem praia e maré boa para o surfe. Pedro não era santo e muito menos Jesus.

- Sou irmão daquele ali que está falando! Meu nome é Eric, e o seu?

- Margot, mas não estou afim de papo, preste atenção nele!

Eric era a influência da Coca- Cola e do ritmo vindo recentemente dos EUA. Rock N’ Roll, chicletes e vestidos de bolinha. Tinha energia saindo pelas ventas por todo o tempo. Não desligava. Pouco prestava atenção no que diziam, mas era sempre fiel ao seu irmão. Como os irmãos mais novos fazem com os mais velhos, porém seu respeito ia além. Pedro era seu pai. Pedro era seu objetivo. Pedro era seu maior ídolo! Viu seu pai partir e só seu irmão que conseguira cessar suas lágrimas.

Entendia de Fidel, já lera Marx todas as vezes que foi necessário. Adam Smith! Che e sua jornada. Raul e os desbravadores. Cuba! China! Mao Tse! A cor vermelha e punhos armados. Gritarão revolução quando a hora realmente chegar! Entendia do problema que era estar vivo e pensar! Existir é um problema para aqueles que pensam demais.

- Dizem as más línguas que assinarão o tal decreto quando o verão estiver esquentando as nossas terras tupiniquins! Nesse verão de sessenta e oito, todos os seus crimes passarão em branco. Como se não tivessem manchado de vermelho a histórias de pessoas como EU, Minha mãe, Meu irmão! Meu pai que não manda mais recados! Onde ele foi parar? Por que não aparece mais para me dar um abraço? Onde foram parar os nossos pais, meus amigos? No verão estarão todos pulando em suas piscinas e comemorando a ditadura! Comemorarão o nosso silêncio! Nossas bocas fechadas por suas balas! Pela tortura! Pela mastigação de nossas mentes! Ficaremos calados?!

- Não!

O grito foi único! Derradeiro! Unido! Sincronizado!

...

- Margot? Você é do meu colégio, não é?! Está no último ano?!

- Sim Eric! Sou do seu colégio e estou no mesmo ano que você, mas me desculpe! Não vim até aqui para fazer amizades ou encontrar meus colegas de curso! Sem amizades! Sem amigos! Ok?!

...

- AMIGOS!

Iniciou Pedro, para nunca antes finalizar...

Amizade! Amigo! Fraternidade! Lealdade! Fidelidade! Humanidade! Só quando seu coração bate tranquilamente, pode perceber que realmente o amor existe. Realmente sentir o calor de um abraço e a energia que um corpo passa para o outro. Temos poucas certezas nessa vida, mas uma única é que somos seres humanos! Os que cobram!
Os que dançam. Os que trabalham em bancos, os que trabalham nas vendas. Açougue, estoque, biblioteca e resumindo os capítulos da novela. Somos todos da mesma raça e quando habitamos a mesma região, falamos o mesmo idioma! Não há distância entre Eu e Você. Somos parecidos. Somos idênticos! São os mesmos documentos exigidos e o Comprovante de Residência com bairros quase iguais. Os valores mudam, mas são muito parecidos!

Eles invadiram e não queriam fazer amigos...

“Amigos” foi a última palavra dita antes de começarem os gritos!

Alguns pularam a janela e esqueceram que estavam no primeiro andar. Machucaram suas pernas e não conseguiram correr. Outros foram para a escada de emergência, mas logo foram rendidos! Mãos na cabeça e corpos deitados no chão. Mas entre todas as moedas, uma valia mais e era essa que procuravam.

Eric agarrara Margot! Esconderam-se em um armário antigo de notícias. Jornais! O Brasil havia ganhado a Copa há dez anos! Didi brilhara! Mas ali ninguém os encontraria, estava escuro, em silêncio! Ninguém encontraria!

Covardia?! Medo?

...

Silêncio!

Um disparo!

Silêncio!

Segundo disparo!

Silêncio!

...

Amigos! Não foram amigos que entraram para reunião! Estavam vestidos com bandeiras brasileiras estampadas em seus peitos cariocas. Não foi a fim de samba! Não foi a fim de rock n’ roll! Não foi! Não fizeram barulho para subir! Não fizeram barulho para entrar! E entraram! Assustou quem tinha que assustar e viram de frente aquele que ficou! Ficou repleto de medo, mas não podia correr! Não deveria correr, pois então, ficou! Festejou a alegria de seus visitantes que logo partiram. Deixaram-no com duas marcas profundas e partiram.


- Pedro?!

- Bem que você disse que minha camisa não combinaria com essa festa de rock!

- Não!

- Ei menina! Cuida bem desse menino por mim?

- Não!


...

Silêncio!

Os homens maus fazem maldades! Homens de bem choram e agradecem! Um instante pode ser o último instante e depois desse, não tem mais como reclamar da vida!

Pois ela se vai...
...


Margot abraçou Eric e chorou!





... e assim começa uma revolução





Leonardo Fonseca

17 de jun. de 2010

#terradonunca - E não vai falar que não doeu

- Escorreguei e cai com a minha bunda em cima do meu braço direito. Minha bunda estava tão pesada que fez meu bracinho dobrar. Fez “crec”, mas nem foi tão complicado jogar vídeo-game. Meu braço estava ficando gordo e dolorido!

- Peter, seu braço estava quebrado?

- Estava, mas todos duvidaram na hora. Eu também duvidei! Não se quebra o pulso todos os dias! Não é?! E pela primeira vez a dor parece diferente. É igual novidade! Minha mãe me levou para engessar depois da aula. Parecia uma pata de elefante gordo!

- Desenharam no seu gesso?

- Tudo! Tudo mesmo!

- Você deve ficar muito feio com o braço branco! Muito feio mesmo! Deve ter ficado uma bolinha de tanto que comeu! Meu Deus! Uma bola branca engessada...

- Resolvi me aventurar engessado! Ai sim você pode me chamar de burro! Pode chamar quanto quiser! Fiz burrada! Aos quinhentos quilômetros por hora, velocidade perfeita, consegui estabilizar meu corpo. O vento estava a meu favor também, mas mesmo assim, tropecei e rolei três vezes o corpo. De longe vi uma moça de dentes estranhos rindo da minha cara. Tampava seu rosto para esconder seu sorriso amarelo. Ninguém veio me ajudar!

- Ai como me faz feliz Peter! Sua burrice é a minha fonte de vida. De certo, devo sempre me alimentar da sua desgraça. Não tem como não ser feliz ao seu lado Peter Pan. Sua burrice me alegra.

- Quando fui retirar o gesso, o médico disse para minha mãe que deveríamos abrir meu braço. Ele não estava bacana ainda! Não estava legal! Acho que foi o vídeo-game na hora errada! Iriam passar uma faca perto da minha mão direita e colocar um prego. Muito emocionante!

- Você pode pular essa parte nojenta?!

- Contei para todos os meus vizinhos! Estou indo para o hospital sem comer nada desde ontem! Estava morrendo de fome, mas não podia comer nada! Minha mãe me prometeu batata frita e refrigerante! Gelatinas para amenizar a saudade. Fui...


... Colocaram uma agulha com soro no meu braço esquerdo. Uma moça bonita colocou um treco em minha boca e pediu que eu sonhasse. Lá do céu o mundo parecia mais calmo. Não tinha ninguém brigando! Tentando fazer algo de errado! Prejudicando! Chorando! Decepcionando! Tudo mais calmo, sem maldade, sem pressa...

... Acordei sem voz! Totalmente sem voz!


- Peter Pan?! Estou ficando com vontade vomitar! Estou pálida?

- Quando percebi, já estava no quarto! Minha mãe bordava um beija-flor. Ponto-cruz! Asas verdes e peito azul. Perguntou se estava tudo bem! Dois amigos me ligaram e depois os garçons de branco me trouxeram comida sem gosto! Muito chato isso tudo! Não consegui dormir! Contei todas as gostas até a hora de entrar no carro para voltar.

- Que emocionante Peter Pan! Estou comovida! Juro! Mais do que tudo! Estou gritando por dentro! Mesmo com esse meu silêncio exterior!

- Assim que entramos no carro ganhei um saco enorme de batatas amarelas. Cebola e salsa. Refrigerante gelado! Se em todas as vezes que senhores de branco fossem abrir com facas o meu braço eu ganhasse minha mãe! Nem me preocuparia em se machucar!

...

Proteção! Sentir-se Protegido. Acalmado em um canto. Estável! Quente! Acomodado?! Perto de algumas pessoas o medo pode passar. Longe da visão assustada da madrugada, olhar com calma, por mais redundante, realmente acalma! Relaxa e segue dirigindo com calma. Chegaremos juntos ao final da festa e pretendo encontrar sua voz para colaborar a lembrança da história que vivemos.

Sentir falta faz parte do processo! Fizeram a caixa com coração! Não bate um relógio. Não bate de mentira. Ele bate e pensa também. Por mais estranho! Sente nervoso. Não consegue ficar calmo e fica preocupado.

A calma necessita aparecer no decorrer do processo. Para não se perder. Administrando a paciência. Sem fugir. Vamos seguir pela luz até o final da avenida. Dançando quem quiser. Refletindo o que puder. Veja o sol e mire como um bom objetivo.

Objetive! Capriche e faça sempre o melhor que puder fazer. Sempre!

...

- Sininho?!

- Você já vai reclamar do que?!

- Da falta que sinto quando você não está por perto! Com seu jeito! Com a sua voz...

- Por que mente Peter Pan?

- A seriedade me cansou tem um tempo, por isso vim pra cá! Vim para me despreocupar. Sem preocupação o sono vem com certeza!

- Mas...

Sorrisos são sempre bons pontos finais quando se procura algo que acalme.

....
sorria

Leonardo Fonseca

Pra você Dona Lirian onde estiver.
Sempre pra você, sempre por você.

14 de jun. de 2010

#terradonunca - Problemas com o síndico na Terra do Nunca

- Garotos sofrem com o vento frio do inverno. Menina fica quieta, dentro de casa, fofocando sobre a vida e não toma vento! Assim fica fácil adorar o inverno, fica fácil por demais! Entre as árvores é onde sinto mais frio. Descendo de uma vez o vento gela o seu rosto e não consigo nem sorrir depois!

- Fresco! Meu Senhor! Quer uma máscara emprestada? Bom que você esconde a sua cara feia também! Uma alegria de bônus para você e um presente para humanidade! No mínimo três meses do ano não veríamos a sua cara feia! Você me assusta!

Peter sem educação alguma socou um capuz em seu rosto, emburrado, se preparou para partir. Fazia frio de soltar fumaça pela boca e enquanto dizia sobre o frio, o frio se “auto-desenhava” pelo espaço. Revoltado, achou melhor se esquentar. Achou melhor cobrir os dedos dos pés com um cobertor e as mãos em uma lareira. Na Terra do Nunca as lareiras foram proibidas depois do acidente com a fogueira. Garotos Perdidos descuidados, não tomaram tento, e de repente, tudo virou luz e muito calor. Então preferem evitar! Onde há muita criança reunida, melhor não brincar com fogo. Só teria calor suficiente se fosse para onde o tempo passa. Onde estão todos de gravata procurando uma nova conta para pagar. Lá fora com pessoas gritando sobre assuntos que não conhecem e procurando um motivo diferente para comentar na conversa de bar.

Por uns meses a realidade não dói. Passa batido, em pouco tempo já se foi. Perdido, logo ali. Indo! Partindo! Então, pelo inverno, o garoto chegou a essa conclusão.

- Vou encontrar Wendy! Lá encontro um pouco de lã e faço um casaco. Me esquento! Passeio pela normalidade, não ligo! Uso sapato e podemos ir ao cinema! Volto depois do inverno!

- Como assim? Você sabe que não posso ir com você e nem faço questão de ver de perto aquela espécie de pessoa. Não faço questão alguma! Nem pense em sair daqui sem a minha pessoa, me deixar, sentirei frio! Vai fazer frio Peter!

- Mas não foi você que acabou de dizer que gosta tanto assim?

Nem pensou, nem olhou para trás. Foi! Colocou um pano sobre a boca para o vento não cortar. Foi! A viagem seria longa. O metrô chega só até metade do caminho. Desce na última estação! Pegue um ônibus na última plataforma. Segue direto pelo corredor. Oitava porta a esquerda. Sobe! O terceiro ônibus. Azul. Mais quarenta e cinco minutos do tempo normal da vida. E pronto!

Peter adentrou e já deixou de voar. Viu duas garotas lindas passando e se lembrou que beleza é onipresente nos dois mundos e que motivos sempre existiriam. Logo foi procurar abrigo. Wendy. Amiga de tempos. Do tempo que correu. O que você sabe sobre o tempo da vida que vai passando? Realmente entende alguma coisa? Não! Não entende nada! Se entendesse, pararia o tempo, mas aqui, no Mundo Real! O tempo passa! As “amostras grátis” do tempo são a minha grande preocupação para essa próxima geração de seres humanos. Preocupados, ansiosos, calados, depressivos.

Logo encontraram-se...

- Por que demorou tanto tempo assim Peter Pan?
- Mas nem vi o tempo passar!

- Você ainda não aprendeu a se preocupar? Continua pairando pelas árvores? Você! Não! Viu! O! Tempo! Passar? Como? Isso me parece desculpa!

- Tudo bom Wendy? Vim em missão de paz! Vim por um pouco de calor, que naquela Terra não se faz. Não se pode fazer! Cria perigo! Perigo é desespero e aqui posso me esquentar.

- Tudo bem Sr. Peter Pan! Veio se comportar por uns dias?

Cada um de nós pertencemos a uma rotina diferente que faz com que sejamos uns diferentes dos outros. Pensamos diferente, fazemos coisas diferentes. Temos especializações de acordo com as habilidades pessoais. Essas quando bem desenvolvidas definem nossa diferença!

Sou do Campo! Sou da Cidade! Sou de um lugar diferente daqui...

A rotina também pode te levar para caminhos interessantes, mas quando o mínimo já é o necessário para a vida do cidadão. O Tempo não perdoa situações assim. Já aparecem várias promotoras de venda distribuindo brindes!

Ama, por que sente falta!

Trabalha, por que sente falta!

Se diverte, por que sente falta!

E não é bem assim...

- Podemos comer marshmallows na fogueira? Passar frio juntos e contar Histórias de Terror? “Um menino corre até o final do corredor e já esbarra em um brutamontes. Dois metros de pura maldade. Sangue nos olhos e...”

- Estou à procura de um apartamento novo Peter, não podemos nos esquentar na fogueira! Mas meu carro tem ar quente! Rapidinho o corpo fica quente, nem vai perceber o frio da rua. Hoje em dia tem calor em todo lugar que você entra. Não precisamos mais desse sol! Ai Sol! Como odeio sol!

Sua amiga cresceu! Realmente demorou muito tempo cara! Me desculpa, mas ela cresceu! Aqui no meu bairro, crescer pode ser isso ai também!

As pessoas têm o mesmo tamanho, o rosto continua igual! A roupa muda um pouco! Mas ainda é ela!

- Preciso de um lugar novo para morar, não agüento mais as mesmas pessoas, o mesmo tudo. Minha vizinha ouve a mesma música tem mais de dez anos. E tem todos os amores que passaram por aqui. Preciso renovar! Preciso me mudar. Um lugar novo. Uma vista nova. Pessoas novas! Adoro fazer amizades! Não quero mais esses amigos daqui!

- Vocês realmente não fazem fogueira por aqui Wendy? Alou, Wendy?! Você está me ouvindo direito?! A ligação está horrível! Tem alguém aí? Wendy? Vocês realmente não fazem fogueira por aqui? Sem marshmallows? Que tragédia!

Sem fogueira! Entrou no carro e partiu até a zona oeste da cidade e foi ver apartamento junto com sua adorável amiga. Não é errado ser o que foi feito para ser. Ele ficou e tentou se divertir.

Ela buscava por um prédio que fosse alto, para ver a vida mais próxima do céu! Para ter tudo e não ter nada ao mesmo tempo. Tenho até onde os meus olhos podem chegar, mas não posso tocar! Meus braços continuam curtos, independente da minha vontade infinita.

Então faz de conta que é o Paraíso...

- Olha Peter! Aqui vou colocar uma banheira! Depois do trabalho! Nada melhor!

- Você vai poder nadar?

- Nadar?! Não tenho mais idade para isso! Vou estacionar meu corpo. Passo por uma sessão de massagem antes! Perfeito! Vai ser aqui mesmo!

- Onde vai dançar? Onde vai ser a pista de dança aqui dentro?

- Pista? Não circularão pessoas aqui! Alguns únicos, meus únicos! Sexuais! Mas são únicos! Homens são necessários por vezes, mas esse castelo é só meu Peter! Só meu! Meu Reino!

- Sem dançar? Sem nadar?

A menina balançou sua cabeça. Expressava com ironia um sorriso amarelo e deu uma risada perto do ponto final. Respirou fundo e continuo a andar pelo apartamento ainda sem móveis! Com seus olhos decorava cada centímetro!

De um lado as cores claras, do outro as mais escuras. Separadas por fases e dias da semana. Um para cada situação promovida pela sequência...

Segunda – Tudo começa! Dieta! Exercícios!

Terça – Ponte e aceitação da segunda! Banho de banheira e corrida para relaxar.

Lá pela sexta vou combinar um jantar! Vou ter uma visita! Alguém vem me alegrar. Depois se vai e continuo...

- Por que você não fica?! Vem passar um tempo aqui! Está um garoto bonito! Já é hora de começar essa vida. De se engajar. De alavancar. Acumular. Ter! Pode morar comigo! Comprarei uma cama grande, branca, gigante! Aprendi a cozinhar Peter! O que acha?

- Tem um despertador tocando! Acho que Tic Tac está a solta novamente na Terra do Nunca! Logo todos vão acordar e sentirão minha falta! Demorei e demorar é um pecado! Não vacilo nunca mais! Nem está tão frio! Os Garotos Perdidos precisam de mim!

- Continua um imaturo brincalhão...

Antes de terminar, ele não a deixou concluir o pensamento! Frases decoradas são sempre frases decoradas. A raiva é um sentimento pré disposto. Sempre será representada da mesma forma. Alguns cantam mais agudo. Outros são mais graves. E para leveza de nossas almas não preciso falar de coisas ruins. Não mais coisas ruins.

Viu de tudo e não viu nada. Aqui não tem nada! É tudo de mentira!

Trabalha, fica cansado, dorme. Precisa de uma cama melhor! Compra! Televisão de alta definição e mais de mil e oitenta linhas divididas entre a falta de assunto e um comercial de cerveja.

O barato é não pensar!

Não se foge sempre, mas a leveza está na capacidade de encontrar a leveza. E só!

Peter Pan adentrou rapidamente a Terra do Nunca. A volta é sempre mais rápida do que a ida. Sem anseios, foi comunicar sua chegada. Mal sabia ele do fervor que ardia no corpo de sua amiga fada. Sua roupa que era verde, ficou vermelha! Passou tanta raiva! Também por menos, o menino foi e a deixou. É certo pensar no bem próprio por vezes, mas sempre olhe para o lado! Sempre!

- Ei Nanica!

- Some Peter Pan! Some!

Peter inclinou seu pescoço para esquerda. Preparou a jogada vinda de trás do meio de campo. Partiu pela lateral direita, montou um sorriso e o fez!

- Já te falei que você é ser mais chato do mundo?! A Rainha de todas as chatas?!

- Cala a boca!

Eu juro! Presenciei de perto essa última frase! Foi o “cala boca” mais bonito que já se viu! Sem ironia! Foi lindo! Com direito a sorriso e dois tapas.

Sem violência!

. e todo os sorrisos do mundo




Leo Fonseca

11 de jun. de 2010

#terradonunca - Sobre os sapatos jogados na Terra do Nunca

- Eu avisei que iria a essa festa! Vai todo mundo cara, não posso deixar de ir. Encontro Anual de Pessoas Bonitas e Descoladas da Terra do Nunca. Faz tempo que não saio para dançar a noite inteira. Correndo até o banheiro, me apaixonando no corredor. Faz tempo que não faço nada que até cansei de fazer nada, preciso fazer alguma coisa.

- Só queria que você não fosse. Estou com medo de ficar aqui sozinha. Ouvi tantos barulhos vindos dali. Acho que o Capitão Gancho voltou Peter. Fico quietinha, não causo nenhum problema. Fica aqui comigo?

Peter estava arrumado. Calça nova, camiseta passada, perfume e barba feita. Estava perfeito. Ele queria ver a noite virar dia e conhecer alguém que ainda não conhecia. Às vezes nem pergunta o nome e a paixão segue por uma nova boca. A juventude pede música alta, não tem como pedir para ficar quieto. Sentado ele vai se estressar!

- Não posso ficar! Não posso! Não posso e não quero ficar aqui dentro! Sem ver nada? Fazendo o que? Qual o problema? Desembucha nanica, abre essa boca e explica o que não entendi direito. Desenha?

- Pode ir! Vai! Tchau!

Seus olhos mudaram de cor. Do verde ao azul. Acompanhado da beleza de um sorriso gigante que aparecera para contemplar o momento. Peter, ignorou qualquer sentimento, pensou com sua vontade. Virou as costas e caminhou até a porta. No terceiro passo, percebeu que alguém ali não estava contente. O ar sempre muda quando as pessoas passam por sentimentos arbitrários. Confuso. Parou ali. Piscou duas vezes, desfez o rosto e disse:

- O que foi garota? Por que te incomoda tanto? Volto com vida! Prometo!

- Eu queria que você me fizesse companhia hoje. Preciso de um amigo. Alguém para conversar. Até posso ficar acordada com você até o dia clarear! O que você acha Peter?

Sem respirar...

- Conversamos amanhã! Quero aproveitar que ainda é cedo e passar na casa do Pedro. Vamos encontrar algumas amigas e de lá partiremos. Até!

Sabe quando você gosta muito de uma pessoa? Gostar é normal. Cada um com um número diferente. Alguns têm mais, alguns menos, mas sempre o suficiente. Todo mundo gosta ou já gostou. Teve um caso, se apaixonou pela menina da carteira da frente. Sentou do lado de uma menina no ônibus e conversou até o centro. Quando levantou deu de encontro com o mais belo conjunto de beleza. E é assim! Todos gostam! E quando menos percebem, sentem e o sentir sempre é uma novidade estranha em um primeiro ver. Pensa-se, calcula-se e às vezes, muitas vezes não admite.

Somos fundamentais uns para os outros e contar isso no meio da conversa parece indigesto. Eu gosto de você! Talvez seja isso que ele precisa para ficar e perceber o que ele nunca percebeu. Sempre se fez de dura essa menina e deixou de lado por vezes. Mas agora ele está saindo e provavelmente voltará apaixonado pela vida. Vai contar novidade durante uma semana inteira. De segunda até sexta o assunto será o mesmo. E ela e seu pobre coração dançarão apertados. Bombeando a tristeza por todo corpo. Levando vontade de dormir até mais tarde por todos os dias. Até que tudo melhore. Mas é muito estranho quando começa a doer algo que normalmente está só ali, bombeando!

- Gosto! Eu gosto. Fica? Te animo, canto! Encanto? Fica? Pode ficar?

Correu até o menino e grudou em seu braço. Até eu ficaria se um sorriso daqueles brilhasse tão perto dos meus olhos. Deu para perceber que ela puxou três vezes o ar. Com força. Respirou com muita força. Encheu o peito e foi.

- Tenho medo de te perder na noite! Tenho medo de te ver na rua. Tenho medo! Tenho medo de uma boca que possa te beijar. Tenho medo que possa se apaixonar. Conhece menina nova e esquece-se da menina velha. Estou acabada né?!

- Está com ciúmes? Sente uma mastigada na região do coração?

Sininho mordeu sua boca. Perdida ali.

- Não seja irônico comigo! Não seja! Não pode!

- Sou sempre o primeiro a ser descartado, deixado de lado. Sempre sou o primeiro a ser esquecido. Nunca me chamou primeiro quando está escolhendo time! Nunca! E agora tem ciúmes? Não se cansou de ter tudo de uma vez? Não pode ser assim! Você que não pode! Não pode!

Nesse momento o corredor ficou vinte vezes maior! Peter procurava no chão a sua vontade de sair de casa. Olhando para baixo, rosto inclinado. Chateou-se! É quando você solta aleatoriamente um pensamento que guardou por um bom tempo, mas que nunca deveria sair de sua boca. E quando ele resolve sair. Nervoso, afoito! Ofegante! Ele machuca mais quem a dita do que quem só capta a informação.

Nunca na vida haverá perfeição entre os seres, pois não há um meio de encontrar a perfeição dentro de nossas limitações. Somos diferentes. Gostamos de coisas diferentes e sempre teremos oposição dentro dessa democracia. Relacionamentos, casamentos, namoros, parcelas do fogão. Briga-se por isso!

- Quer conversar?

- Não Sininho!

- Mas eu posso falar? Posso dizer?

Nesse momento ouviu-se um barulho vindo do sul da ilha do norte, onde habitam dezoito Garotos Perdidos, entre eles dez garotos e oito garotas. Todos se dão muito bem por ali. Gostam de boa comida, cultivam flores maravilhosas naquela região. Apreciam positivamente a loucura dessa Terra. Mas esse som assustou os dois e fez com que parassem de falar para só ouvir o que poderia ser.

Os dois saíram de casa para procurar algo. Ao primeiro ver não aconteceu nada de extraordinário com o nosso mundo. Mas viu-se vindo em uma velocidade uma Garota Perdida, que vinha na direção do contraditório casal.

- Tic Tac acordou e está jogando água para todos os lados. Destruiu vários botes e tem Meninos precisando de ajuda! Peter! Peter! Tic Tac acordou! Precisamos de você!

- Você vem comigo Nanica?

Sininho piscou seus olhos vinte vezes. Contei! Tive que contar.

Ela foi voando atrás de Peter até o local do delito. Botes multiplicaram diversos pedaços de madeira. Todos boiando. Meninos tentavam fugir do crocodilo que partia na direção deles com muita violência. Acho que seus problemas eram imensos. Ele sentia muita raiva em cada mordida que, por Deus, não havia pegado ninguém.

A fadinha puxou a fila para avisar a chegada do seu grande Peter Pan!

- Lagartixazinha! Ridícula! Tic! Tac! Tic! Tac! Que barulho é esse?! Comeu um relógio ou está precisando ir ao banheiro urgentemente?

- Cala a boca Sininho! Vá ajudar os garotos ali!

Minha mãe dizia para sempre prestar atenção em cada coisa que fosse fazer. Isso evita tropeçar no próprio pé. Deixar cair coisas no meio da cozinha enquanto prepara o almoço. Aprende desde cedo a não ser descuidado. Descuidos possuem preços muito caros e quase sempre são aqueles que não podem ser parcelados no cartão de crédito. É á vista e só! Não tem segunda opção! Bobiou, dançou!

Tic Tac assistiu muito bem a cena e resolveu esperar. Contou e no momento certo pulou em direção da fada. Não pegou inteira! Ainda bem! Mas o impacto a jogou para longe. Assustada não conseguiu voar. Suas asas não batiam direito quando sua pulsação fugia a regra. Caiu machucada! Sua luz diminuiu e Peter voou até perto. Enquanto Tic Tac sumia pelo rio.

- Sininho? Ei! Pode me escutar? Por favor! Sininho? Responda!

A resposta não vinha...

- Ei! Sininho?! Não vai! Não vai! Não é pra você ir!

Na mesma quantidade que crescia o desespero, Sininho deixava de brilhar. Sua luz diminui a cada lágrima do menino que não sabia o que fazer. Ela não respondia. Ele falava sozinho! A chacoalhou, mas não adiantou! Estava desligando tudo.

- Ei, fica comigo para sempre? Promete que vai ficar comigo para sempre?! Conta comigo para tudo que for preciso. Se fiz tudo que pediu, fiz por que quis e muitas vezes é te fazendo feliz que me sinto bem. Sabia? É só ter pensamentos leves...

Diz à lenda que a cada primeiro choro de um bebê, uma fada nasce! Mas quando esse bebê cresce, descobre a vida que vai além da brincadeira e sempre parece uma chatisse! Nem todos poderão brincar e acabam esquecendo-se da fada. Essa então cai morta no chão. Espatifada. Esquecida pela infância que acaba sem perdão!

Mas seria um bom conto se acabasse de uma forma triste? Sentindo a falta que alguém pode fazer? Seria interessante terminar triste? Por que me sinto tão triste por aqui? Ela veio de onde? Veio por que? Para que veio?

Não seria legal!

Ou seria?! Seria?! Seria o que? Ah! É só ter pensamentos leves! É só tirar o peso da cabeça e fazer com que ela tenha diversos pensamentos tranqüilos. Penas, algodão. Pétalas de rosas no chão lembram paixão. Paixão deixa o pensamento leve também!

Acredite muito no que você quer. Acredite em fadas. Acredite no seu foco. Acredite no seu objetivo. Acredite na capacidade. Acredite em fadas mais uma vez. Duas vezes mais do que já calculou até aqui, mais uma porcentagem aleatória. Goste mais do que antes! Se entender assim já é o suficiente.

E bata palmas!

Se você acredita em fadas! Bata Palmas!

- Eu acredito em fadas!

Peter Pan explodiu em aplausos. Girava pelo ar. Subia, descia, passava perto da água. Batia palmas, cantava, adorava! Ele acreditava realmente em fadas!

- Eu acredito em fadas!

A luz aumentou! Parecia que tinham acendido uma lâmpada. Brilhava. Brilhava. Foi jogando brilho por tudo ali ao redor. Pulmão já funcionava normalmente!


- Você é o otário que eu mais gosto nesse mundo!

- Mesmo? Sem parar?

- Até onde puder vou te amar Bestão!





E o malvado Tic Tac voltou só na segunda-feira, na hora de voltar ao trabalho.



Leo Fonseca

10 de jun. de 2010

#terradonunca - Como funciona a Terra do Nunca em horário de trabalho

- Vem passar o final de semana aqui? Comigo? Vai fazer frio de sexta até segunda a tarde. Comprei caixas de leite, cereais, chocolates, aluguei filmes. Terror, comédia romântica, massas congeladas e refrigerante. Quatro edredons e um violão. Acendemos uma vela e depois vamos dormir.

- ao amanhecer podemos caminhar pela praia? Quero observar o rosto de todos os velhinhos que lêem notícias. Não cansados da história, acumulam mais um assunto para o café. Com pouco açúcar por favor Peter! Podemos cantar muitas músicas?

- Todas do mundo para você.

Ouviu-se como pétalas voando por campo extenso. Verde, infinito, absoluto.
Calmaria sem fim, que tranqüilidade gostosa. O bebê sorriu pela primeira vez, percebeu o que é a vida e já começou dando risada. Gargalhou e caminhou durante o tempo. Nunca parou de crescer. Mas foi devagar, para não cansar.

A calmaria voava em conjunto de todas as nuvens de algodão. Estrelas brilhando e momentos solitários ficavam para trás. Sua compania faz tão bem. As estrelas estavam ali.

- Olha! Posso comer estrelas Peter Pan! Gosto de falar seu nome inteiro, gosto também de nomes compostos, como aqueles dos meninos da revista. Todos com nome composto! Será que essas estrelas vão brilhar no meu estomago?

- Você está realmente comendo estrelas? Cara! Me disseram que a digestão é tão lenta que vai ficar sem mastigar novidade por três dias. Sua barriga vai explodir de tanta caloria que tem uma estrela. Se for dessas mais brilhantes, novinhas, meu Deus... Cuidado! Sua barriguinha está começando a aparecer.

A menina, sem pensar, direcionou seu olhar para a região de sua barriga e olhou. Apertou. Apalpou. Apertou mais uma vez. Mais duas vezes. Mais oito vezes sem parar. Levantou sua blusa e colocou para fora. Olhou. Apertou. E olhou para o mal educado. Piscou duas vezes os olhos, balançando a cabeça, duvidando, apertando e coçou sua cabeça.

- Eu não estou ficando gorda Peter Pan! Eu! Não! Estou! Ficando! Gorda! Peter! Pan!

Peter de tão preocupado, balançou seus dois ombros ao mesmo tempo. Ergueu até encostar em sua orelha, coçou a nuca bem devagar. Espreguiçou meia dúzia de palavras. Lentas, irônicas, sarcásticas. Ele nem deu sorriso nenhum, mas dava para ver seus olhos que ele ria demais. Sem parar. Engasgou com leite e quase ficou sem ar. Mas parou ali.

- Não falei que você está gorda! Não falei! Só evite comer estrelas e acho interessante fazer exercícios. Poderia seguir o exemplo, não?! Te acho linda assim! Quanto tempo ainda tenho? Meus bônus logo vão acabar!

- Bônus? Por que você sempre muda de assunto? Eu olho na sua cara e nunca te reconheço. Não sei se fala sério, se é piada, se é verdade, se é mentira ou só fala por falar! Não sei! Nem sei se devo saber, nem sei de nada e só de pensar, descubro que é melhor não saber, mesmo! Você está perdido e eu tentando me encontrar perto de você. Não sabe de nada! Mesmo!

Meninas gostam de abraços. Meninas gostam de meninos. Gostam de tardes apaixonadas. Gostam de momentos que ficam para sempre. Recordações. Meninas gostam de muita coisa. Gostam de atenção. Atendimento vinte quatro horas. Servidão. Rainha. Santa Realeza.

Meninos estão soltos pelo mundo. Sem coleira. Sem rumo. Sem destino. Roupa amassada. Cabelo bagunçado. Admirando meninas. Paixão sem fim. Do vagão do metrô. Quando entra menina bonita no ônibus. Vem andando. Vem! Senta do lado. Meninos não sabem de muita coisa mesmo, mas sabem do que precisa. Não precisa de muita coisa.

- Você só sabe brigar? Admito que fica linda quando está com raiva. Se todas as pessoas do mundo ficassem bonitas desse jeito quando estão soltando fogo pelo ar, não teríamos guerra, assalto, briga de bairro, briga de torcida. O mundo serial igual ao Brasil em véspera de Copa do Mundo por todos os anos de existência que restassem aos seres humanos. Se acabasse o mundo agora, não acharia ruim! Mas se ainda assim quiser passar o final de semana comigo, espero segunda para proclamar o Apocalipse! Que tal?

- Não! N!Ã!O!

E não disse mais nada além. Nenhuma vogal a mais, consoante, derivados. Sussurros. Chiados. Barulhos. Ruídos. Nada! Dava para ouvir a música que as formigas trabalhadoras levavam em seus aparelhos de MP3. Lady Gaga não faz Carnaval para formiga trabalhadora. Preferem Samba. São divertidas e boas amigas. Mas nunca ali havia um silêncio tão intenso. Tão quieto que o quieto parecia barulho.

- Tudo bem! Sobra mais chocolate para mim!

O rebatedor preparou o bastão. Girou seu braço esquerdo para frente. Bateu na sola do pé direito e estalou o pescoço. Esticou as costas e rebateu para longe! Jogou para fora do estádio e deu, em estilo, a vitória para seu time! Correu para torcida! Em silêncio.

Ela foi chata até ali! Insuportável! Cansativa e sempre dona da verdade! Meninas não gostam de perder para garotos. São imaturos demais para declarar derrota. Não sabem de nada essas meninas. Não sabem de nada esses meninos apaixonados. Perdidos, nunca concordam, nunca aceitam e se assustam, quando deveriam estar abraçados.

- Você vai comer sozinho? Inho? Mesmo?

- Ah! Se sobrar. Se lembrar. Guardo para você e trago depois do fim do mundo. Depois da Copa. Depois. Deixo guardado. Tudo bem?

- Só depois?

- Só depois Sininho!

Normalmente pessoas perdidas escondem suas colas de prova no chão ou em muros espalhados pela cidade. Sempre procuram as palavras que lhes faltam em algum lugar que desconheço. Miram seus olhares e procuram na tristeza de uma curva mal feita pelo motorista. Sininho olhou para tudo que estava ao seu redor, mas parecia que até mesmo o chão havia saído para almoçar. Corpo leve, mente flutuante. Suspirou. Desejou um brigadeiro. Suspirou. Pensou e cantou...

- Vou com você Peter Pan! Posso?

- Agora e sempre, hoje e amanhã. Quando quiser e se quiser. Para sempre!



Até que a próxima voz levante primeiro




Leo Fonseca

7 de jun. de 2010

#terradonunca - Segunda ocasião na Terra do Nunca

- Vê se não demora no banho dessa vez! Já está tudo combinado! Estarão nos esperando exatamente as dez para seis da tarde. De carro vamos até o sul da ilha. Não precisa de tênis, pode ir com uma roupa bem leve, tranqüila. Mas não exagere na calma dessa vez Peter! Temos hora para sair e não quero me decepcionar de novo com você!

Atirando o menino de frente para parede e exercitando o bom português para exigir a velocidade que o mundo deveria girar nos próximos instantes. Minutos mais extensos, por favor! Tenta não ir com tanta pressa Seu Relógio, não quero me perder e ver que à hora já passou e não levantou! Exercitou o corpo, esticou as pernas e quanto embarcava ao Planeta, por duas horas, até voltar à Terra do Nunca para encontrar os amigos de Sininho. Uns metidos, mas não teve escolha.

- Vou até em casa, tomo um banho e já passo para te encontrar! Espere-me, por favor! Sei que não tem a sua disposição todo tempo do mundo, mas preciso muita água sobre meu corpo. Seus amigos são uns idiotas mesmo, ninguém vai reparar a minha chegada sem classe, no meio perdido do nosso atraso. No coletivo! Chegaremos atrasados e ficamos no canto! Não vejo problema algum!

Não sei se ele percebeu que seu cérebro pensou e sem querer, ele disse! Ele falou tudo que não precisava, ali no final. Batendo na bandeira do escanteio, ali no canto. Correu, vai bater, faz o mais difícil e chuta para fora! Tudo bem! Deve estar nervoso, só pode estar nervoso mesmo! Normal nessa idade! Cruzou os dedos e pediu para Deus que voltasse a fita dois minutos. Disse que mudaria duas ou três frases, ou se não, ficaria calado, balançava a cabeça, dizia um “sim” e pronto! Voava!

- Não entendi direito o que você acabou de dizer, tem como você desenhar ridiculamente suas últimas palavras? Vou sozinho cara! Vou sozinho e você volta sozinho no seu caminho, por aí! Não me importo mais com você nem um mísero pouco! Pisou na bola seu vacilão! Faça as coisas somente quando for te agradar também! Aprende! Acha que sabe, mas não sabe de nada mesmo!

A menina de verde virou as costas, olhou de canto de olho, abriu suas asas e partiu. Foi pensando em cada palavra, analisando a causa de cada uma dela que aparecerá ali, sem razão, em uma ocasião não apropriada. Esperava se divertir somente e pensava estar agradando Peter, que por sua vez, vacilou demais! Ninguém iria avisar ali que meninos são assim mesmo, atrapalhados, encantados, vislumbrados, mas também não tão bem preparados assim. Eles erram! Todos erram! É um estranho bem comum, padrão, mas se encontra em todos os tamanhos. Ninguém está imune. Tem vacina para qualquer doença. Gripe, H1N1, enfim! Mas errar é inevitável nessas condições do tempo, ainda mais ai, onde todos são crianças!

A menina continuou voando por quatro horas, não foi ver os amigos. Voou para outro lugar, foi se encontrar, sem importar com companhia naquele momento. Queria reclusão, exclusão social momentânea. Precisava pensar, passava cena atrás de cena e não encontrava um denominador comum para encaixar em todas as expressões soltas naquele momento. E ela foi até o alto da montanha, do lado das pedras, com barulhinho de água passando ali embaixo. Cuidado se estiver apertado, mas se não, é um bom lugar para ver as estrelas e encaixar cada peça.

- Maldito menino! Maldito menino! Por que ele disse aquilo? Por que ele pensa assim? Cadê o encanto? Por que sou obrigado a sentir essa sensação assim? De graça? Que sem graça coração! Que sem graça você, Senhor Coração! Mas sabe o que é pior?! Hein?! Você sabe qual a pior coisa de tudo isso? Eu gosto dele, sabia? Não tenho coragem de dizer olhando no olho, mas às vezes solto um elogio para ver se ele se toca, mas nem assim! Ainda percebi agora que fez tudo até aqui só para me divertir e não por que estava se divertindo! Maldito menino! Maldito coração, para um pouco, por favor?! Só quero ficar em silêncio...

Começava escurecer, como fazia frio, o céu começou a ficar azul escuro. Unindo a junção de estrelas brilhando, um pedaço de lua em quarenta e cinco graus e algumas nuvens para decorar! Emoldurado ficaria perfeito na sala de casa! Peter ainda não conseguiu mover um dedo do lugar. Ficou pensando por esse tempo todo. Tentando entender por que sua boca fala mais do que o necessário em horas ingratas. Se fosse a primeira vez, mas não! Seu nervosismo é constante e foge ao seu controle sua paixão. Pensa no que não se deve pensar, pensa demais. Ocupa-se somente em pensar, acaba criando, exagerando, cobrando e isso não é certo. Não leu a cartilha, mas na real... Não existe cartilha! Mas ainda há uma chance de ter um dia de glória. O que foi feito, já foi feito. Nem todo acidente é definitivo! Machucados e tropeços estarão sempre ali, te esperando. Pensa rápido garoto! Chega logo nessa conclusão, pega suas coisas e muda o mundo um pouco! Pelo menos um pouco! Dou conta de algumas coisas por aqui, faz só sua parte e não se preocupa em programar os computadores, cuido dessa parte no feriado.

Sem saber, Sininho marcou com lágrimas cristalinas cada nuvem que atravessou. Deixou um rastro e logo foi simples encontrar o caminho. Seu destino Peter já conhecia. Ela sempre pensa lá, perto do céu! Sozinha, calada! Sabia que não deveria interromper esse momento e sabia da gravidade do momento. Estava pesado o ar, carregado, completo de cinzas muito chatas! Impregnadas na roupa. Mas era só voar rápido, deixa para pensar depois. Vive, faz, já fez o que não devia. Lucrar pode entrar como uma possibilidade palpável! Quando a conta está negativa, um sorriso pode valer um milhão!

Seguiu voando e deu de encontro com o céu que já apontava o começo de uma noite, um pouco mais escuro agora. As nuvens estavam abertas e não olhavam uma para outra. Brigaram por um rapaz, mas tudo bem. Agora a lua brilhava absoluta, com meia dúzia de estrelas, parecendo pintas no corpo. Até ali, tudo lindo. O silêncio predominava e aos poucos se percebia um pulmão respirando, um coração chateado, batendo devagar. Controlado, sem dançar, cansado! Se pensamentos fizessem barulho, ali estaria uma escola de samba no meio da avenida, tocando alto para todos ouvirem ao mesmo tempo, em todos os cantos! Mas como não, Peter chegou e sentou, não disse nada.

- O que você faz aqui idiota?!

Quebrado o silêncio com dois tiros diretos. Um arrancou o braço esquerdo e o outro passou de raspão no rosto, mas não machucou.

- Nada! Só vim até aqui pensar... Acho que é público o lugar! Mas se te incomodar me avise! Não me importo em voltar, mesmo que for já!

Disse não querendo dizer, disse só para completar o que precisava ser dito ali e disse mesmo! Mas mesmo assim a violência tornou a voltar.

- Acho que você deveria sumir, deveria vazar daqui agora! Não espera que eu diga duas vezes as mesmas palavras, não é?! Só se tiver problema! Aliás! Vá embora problemático, não gosto de você perto de mim! Já te falei isso? Não preciso de você mesmo, não preciso, não preciso! Se toca e some daqui, se entoca em sua casa e só sai de lá para comer, se esconde criatura, por que você me assusta! Já sumiu?

Se soubesse que ia engolir a seco dessa forma, Peter teria molhado a garganta antes da conversa, antes de voar até ali! Foi o primeiro “Nó de Marinheiro” feito em uma garganta na história da televisão mundial! Fato inédito e recordado pelos olhos da pequena fada que conquistara ali faixa preta, mestre em todas as categorias! Mas em uma porcentagem real, a cada três palavras ditas nesse tipo de momento por uma menina, apenas uma deve ser levada em consideração. Não é machismo, mas também ficam nervosas, ainda mais assim, sob pressão! É difícil colocar todas essas informações em uma planilha e resolver logo de primeira, mas tinha que ser feito.

- Me desculpa! Só vim dizer isso! Já estou partindo. Mantenha-se bem, mantenha-se com força e só! Fique bem...

Esse era seu real interesse, não tem o que explicar, ele errou, mas por fim pensou e pensar faz bem. Partiu e antes que atingisse dois metros de distância do local, Sininho espirrou.

- Fique!

Peter duvidou, mas tinha que entender melhor.

- Mesmo?

Sininho espirrou novamente.

- Fique mesmo!






... e assim aproveitam sua juventude.


Leo Fonseca

6 de jun. de 2010

#terradonunca - Quando ando sempre tropeço

Na Terra onde habito, o tempo passa rápido
Cuida pouco e trabalha demais
Nessa Terra onde habito, é tudo tão chato
Soaria melhor, apático!

Sem cor, sem sabor e pouca dor
Estagnado, parado, calado, quase ninguém fala
Cantam por dinheiro e esquece-se de alegrar
Brigam com a vida e são cheio de rancor

Na Terra onde hábito, crianças voam
Voam e o tempo não passa
Fica ali parado, mas não estagnado
Ouço de olhos fechados a forma que essas notas soam

Peço somente que vá com cuidado
Teremos novidades pelo caminho
Coloca um sorriso no rosto e espanta esse jeito acuado
Pintei as rosas brancas de vermelho

Mas esqueci dos espinhos
Nem machucou
Pouco incomodou

Lá de cima é tanto faz
Não sabe de nada
Não sabe da nada mesmo


Mas se quiser saber

Eu tenho um segredo para te dizer




Leo Silva e Silva

#terradonunca - Primeiro Segredo da Terra do Nunca

- Eu já falei que você não sabe de nada?!

Assim gritou e girou até o alto. Sininho estava muito irritada, não agüentou continuar conversando. Já sabia que dali não sairia perdão naquele momento e resolveu voar um pouco. Para esquecer os problemas.

- Cala a boca!

Disse e armou um sorriso tão lindo, menino perdido, resolveu sentar e pensar por trinta minutos, leu alguns recados que estavam estocados em seus bolsos. Deveria pagar as contas com antecedência para tentar algum desconto. É bom quando sobra dinheiro. Tenho mais tempo para voar e manter a minha cabeça leve. Todos os pensamentos leves ao mesmo tempo! Tinha certeza já!

- Assim consigo voar mais alto que você! Consigo ir até lá em cima! Encosto na primeira nuvem que parecer um coelho e corro até o fim da Austrália. Volto pelo lado mais frio do planeta. Só para ver se consigo esfriar um pouco o meu coração!

Ela desistiu de ir tão alto e resolveu voltar para decidir o assunto pendente. Fez cara de emburrada, torceu o nariz e abriu logo o berreiro. Sem perdão em nenhuma das palavras cuspidas pelo espaço. Muitos decibéis! Acordaria um bebezinho com um grito desses.

- Eu já disse para não falar mais comigo! Eu disse! Não tem mais papo!

Mas quando terminou a frase não se agüentou e disse com um sorriso lindo:

- Cala a boca!

E foi o “cala a boca” mais bonito que o menino já viu. Até desistiu do assunto e parou ali. Tanto faz se vai ter assunto para segunda aula. A fotografia ficou estacionada na minha cabeça por segundos intermináveis. Pena não são infinitos, mas o menino balançou a cabeça e já estava em outro lugar.

- Tudo bem, você venceu Sininho, não vou discutir mais essa nossa relação. Acho que não vai dar certo! Gosto de azul e você de amarelo, usa esse verde todos os dias. Se bem que meu modelito também anda meio em baixa, mas não me ligo em tendências...

A pequena fada franziu a testa, fez três marquinhas e já começou a discutir!

- Garotos não sabem de nada mesmo! Até acha que sabe, mas tenho certeza mais do que absoluta que não sabem de nada mesmo! Eu não estava com ciúmes de você! Estou com raiva e tenho outros motivos bem mais importantes! Você não sabe de nada!

Sem conseguir manter o silêncio, Peter logo voou para cima da fada e levantou seu olho direito, deixando sua testa marcada. O sol batia bem no olho do coitado, mas mesmo assim não hesitou, levantou seu dedo indicador, do lado direito, pensou três segundos e tremeu meia dúzia de palavras mal ditas, sem querer, sem saber e já se entregou...

- Veja você garota, louca por abraço e ai fugindo pelo espaço, correndo, voando e falando mal dos outros ao pé do ouvido. Duvido que não! Não fala que é ao contrário, por que te vi resmungar ontem à noite. Tinha aquela de verde e a menina de rosa! Juro que não direcionei meu olhar para mais ninguém. Não vi motivo para duvidar e nem ruga aparecer na cabeça. Mas ouve só se quiser escutar. Abri a janela inteira quando o sol apareceu, deixei tudo iluminado e quentinho. Não me importo com o que você acha desse meu traje. Não é de gala e não muito esporte. Não tem a cor da moda também, mas nem ligo sabia? Quando fica desbotado que fica melhor, não é?!

Quando o motivo da conversa foi passear, peguei um café sem açúcar. Sinceramente, o tempo podia parar ali novamente. Sempre que termino esses breves raciocínios, percebo como sou burro quando te vejo tão perto e desperdiço o tempo. Foge pelos meus dedos e escapa mais uma vez. Tão pequena, Sininho sempre sai sem anunciar e acabo ficando preocupado. O menino guardou para si todos os seus motivos mais uma vez. Deixa estar, deixa passar a dor do corpo, quando ele estiver relaxado, ai sim, pode resolver o problema com mais calma.

- Peter! Você vai ficar ai parado mesmo? O tempo está passando, precisamos logo voltar. Logo vai anoitecer e sua mãe vai ficar preocupada. Seu pai liga duzentas vezes lá em casa te procurando quando você vem para cá. Coitado! Ele fica preocupado e você sempre se esquece de responder suas chamadas. Mas tudo bem, não quero entrar nesse assunto! Mas acho que você deveria ao menos ir mais rápido! Cada dia que passa parece-me mais lerdo! Anda comendo fora do horário? Está se exercitando? Te acho muito infantil! Já te disse isso? Já te disse que teu tamanho também não me agrada? Disse isso uma vez, se lembra? Eu não gosto desse teu cabelo também, acho que essas roupas não caem bem em você, calça estranha! Onde que comprou isso? Meu Deus!

As pedras voavam de sua boca com toda força na direção do menino, mas ele simplesmente estampou um sorriso e abaixou o volume da voz. Ela sempre faz assim! Só se via a boca abrindo e fechando, desenhando no ar as palavras. Não fez leitura labial e ficou apreensivo no conjunto. Seu nariz bem casado, muito bem acompanhado. Sempre acho que companhia boa afeta até a cor da pele! Mas o tempo estava realmente terminando e logo teria que entregar os relatórios. Ainda não preparou nada e muito menos desfez as malas!

Antes de voar para casa admirou mais uma vez, com toda atenção. Não disse mais nenhuma palavra, não acrescentaria. O que tinha que ser dito, foi dito. Conclusões definitivas pode ser uma lombada no meio da rua e sem frear quase derrapo. Sigo voando tranquilamente, em uma velocidade agradável. Admiro mais uma vez, lembro de tudo que disse e peço a Deus para sonhar todos os dias, como se fosse sempre a primeira vez.

- Tenha pensamentos leves Sininho! Estou indo em direção do meu lar, já que me esqueci de avisar meu pai que aqui estou, resolvi já retornar. Volto mais tarde quando desocupar. Queria ao contrário, mas não tem como, então faço assim..

E só isso!

Na medida do possível não vou contar os dias por uns tempos, não vou me preocupar e reduzir tudo que for peso que tiver que carregar. Não vou pensar demais em nada, uma quantidade suficiente para cada parcela. Um pouco de cada sabor e pouca pimenta para não arder o estomago. Sem pegar fogo, sem se acalmar demais para não perder muito tempo dormindo. Longe da Terra do Nunca, até a obra do banheiro terminar! Preciso supervisionar esses bombeiros que trabalham aqui em casa. Deixaram um cano estourar e foi água até o primeiro andar.

Enfim...


Te vejo na Terra do Nunca




Leo Fonseca da Silva Sauro