Se morrer de vergonha antes da primeira
valsa virar motivo de piada, amanhã vão todos dizer nos corredores do colégio,
mas minhas pernas estão tão pesadas que não consigo me mover. Preparei meu
smoking, combinando com as meias e meu sapato, arrumei o cabelo e passei
perfume.
Pra que?
Pra ficar sentado aqui, morrendo de medo!
Para ver as pessoas me assistirem parado, incapacitado de caminhar até o outro
lado do salão!
Caminhar?!
Caminhar parece simples! Muito menos
complicado que valsar! Mas eu ensaiei tanto, olhando no espelho do quarto,
preparando as palavras que diria assim que seu sorriso adentrasse a festa.
Elegantemente levaria minhas mãos até as suas, puxaria conversa e logo
grudaríamos nossos corpos e corações.
Mas eu não consigo levantar daqui!
Mas na facilidade dos passos elevei-me até
a direção contraria da minha timidez e soletrei passos encardidos entre as
pessoas que platonicamente se amavam por aquela noite. Devidos amores
temporais, apaixonados, agudos e sentimentais. De suspirar caminhando, de
mastigar pensando, de torcer pra acontecer de novo, de deixar marca no pescoço,
trocar telefone no guardanapo da lanchonete. Elogios, risadinhas sensíveis e troca
de olhares.
E eu?
Continuei caminhando, procurando abrir
espaço sem estragar nenhuma obra de arte do amor. O tempo estava passando
rápido demais e logo, em definitivo, os pares se completariam e a marcha
fúnebre iniciaria, descartando-me das fotos do anuário, pois insegurança
tamanha do coração impediu fazer história nessa noite, como em todas as vezes
que o silencio fez-se orquestrado e contemplou por horas malignas historias
passadas, intercalado entre lágrimas reprimidas, secas e expostas aos fracos.
Sentir e deixar passar é como perder e não ter inteligência, compreender pouco sobre
a necessidade de agir e o terremoto destrói a cidade inteira.
Sem você sair do lugar!
Como quem rema contra maré, aos pingos de
suor, desencadeei suficiente espaço e no famoso, outro lado da festa, busquei
refresco em goles de ponche gelado. Contornando com os olhos todos meus colegas
presentes, separado por virgulas e goles. Estranho ser invisível, ser pouco
reparado, ser encantado e não ter poder. Mas dentre todos, somente meus
pensamentos me acompanhavam. Esses mandam muito bem. Repetem piadas e permitem
idiotices. Em par, consigo conectar assuntos menos tensos e vejo coração bater
com mais calma.
Assim, com meu copo de ponche, refrescado,
dei voltas em círculos para administrar demasiadamente minha clichê solidão. Aos blasés estocados, escondidos em seus detalhes arrogantes e do alto de seus pódios solitários comemoram algo
que só eles compreendem, passo batido, sem equiparar defeitos, mas desses
estranhos seres complexados, prefiro distancia. Melhor assim essa noite.
Sozinho não fico mais, depois que
conquistei esses goles gelados!
E de que maneira encontraria essa noite a
garota dos meus sonhos? Sem antes saber se ela gosta das mesmas bandas que eu?
Sem saber se ela prefere o Revolver ou o Álbum Branco dos Beatles. Se já se
apaixonou ouvindo Smiths e sentiu-se renegada como Kurt Cobain. Se é Clash ou
Rolling Stones. Isso é muito difícil.
Ela nem deve saber de nada mesmo!
Equiparando Clarice e Zélia, falando que as
cartas são importantes, mas que sentimentos são todos iguais. Os meus e os
seus, sem reparar na quantidade de goles que dou e ao menos perceber que o
tempo continuava a passar. Que desculpas esfarrapadas despistam somente os
tolos e entrar para esse grupinho seleto, estava longe do meu objetivo para
essa noite.
Como estudar para o vestibular e resolver
voltar para casa depois de ter só desenhado algum símbolo escroto na folha
principal do gabarito. Treinar por diversos dias e desistir da competição!
Dei o último gole no refresco, o mais longo
da história dos goles! Somados a dois passos estabanados e esbarrei com tudo em
alguém. Ridiculamente cai no chão enumerando planos infalíveis para sumir dali.
Criaria asas, faria um túnel, explodiria bombas ninjas e sumiria na nevoa
branca. Simularia dores no corpo inteiro, rolaria ou rastejaria feito minhoca
até a saída.
Sensacional é estipular milhares de cenas e
não projetar nenhuma, pois a realidade é imutável, não sempre, mas o lado
direito nunca vai deixar de ser o lado direito, o erro nunca vai ser acerto e
uma grande esbarrada, com certeza, não vai deixar der ser uma grande esbarrada.
Como o Titanic afundando e a Rose se despedindo do Jack, ali seria o meu fim do
mundo.
Incrível é a capacidade de imaginar e
ilustrar tragédias, como o rosto que se prepara para o tapa. Fecha os olhos,
entorta as bochechas e reprime todos os músculos do corpo e ao contrário disso
tudo...
...sente uma mão te levantando.
Mão delicada, tão quanto sua dona, capaz de
tirar do chão esse pequeno e estabanado pingüim fardado, com cara de idiota e
sem jeito nenhum para olhar para frente,
mas ai o tempo parou.
Desenvolvi todos os textos, mas fiquei
calado, por nada fecharia meus olhos ou desejaria estar do outro lado, estou
aqui, bem aqui e não era para estar em nenhum outro lugar. Como os números que
batem quando as roletas param e dizem que você tirou o grande prêmio.
Com uma voz linda, me perguntou se estava
tudo bem!
Encantei-me! Agradeci pela bondade, pedi desculpas. Seus olhos brilharam e fizeram entender
que estava tudo bem.
E no meu maior ato de coragem da vida...
...Sai andando e disse "até logo", pois nunca
fui uma pessoa corajosa.
Triste fim de uma noite perdida.
Leo Fonseca, sobre minha grande timidez.